A viagem da volta havia sido tranquila, por mais que o caminho tivesse sido um pouco longo. As conversas com Annabeth foram as mais supérfluas possíveis, indo desde meus hobbies, que incluiam tocar piano, violino e harpa e, claramente, esgrimar, até alguns comentários rápidos sobre a tal "Internet" e coisas que o seu celular podia fazer nela, como assistir filmes curtos criados pelos próprios "Internautas", coisas estas que eu achei super interessantes.


Logo o Aston Martin adentrou a propriedade da mansão e eu comecei a mostrar para Annabeth e apontar para as janelas e explicando o que cada quarto era, mas já tinha uma ideia de que da nossa distância e, principalmente, por causa do carro estar em movimento, não era possível ela ter certeza de qual eu estava apontando.

— Aquela janela ali é o meu quarto! — Apontei para uma das janelas usando a janela do lado de Anna. — Você pode dormir lá comigo se quiser, mas se quiser mais privacidade você pode ficar com um dos quartos de hóspedes.

No instante em que o carro de meus pais parou e descemos para entrar na casa Annabeth desceu apressada e correu pelo gramado, subiu em nosso banco de jardim e se posicionou como um Girassol e se jogou no gramado onde haviam algumas folhas secas. Ao longe Matthew, um dos nossos jardineiros, observou a situação e começou a rir, escorado em seu ancinho. Acabei rindo com a situação, também, e nessa hora Anna se aproximou e, realmente, ela estava um pouco suja, como havia dito.

— Está, mas são apenas folhas e fiapos de grama... — Disse enquanto dava tapinhas em suas costas para espanar a sujeira que estava presa ali. — Vem! Vou te mostrar meu quarto!

Segurei ela pela mão e corri para dentro de casa. Assim que passamos pela nossa governanta eu gritei para ela um "Bom dia Sra. Hermansen!". Ela me observou com um olhar severo, mas não conseguiu segurar a risada por muito tempo ao ver minha animação enquanto arrastava Annabeth escada acima até o corredor da ala leste, onde estavam os aposentos de meus pais e o meu.


E após alguns curtos minutos de corrida chegamos em frente à porta do meu quarto, a qual abri e apresentei o aposento à Annabeth.


— E aqui é o meu quarto. Sinta-se em casa! — entrei e sentei no banco felpudo em frente à cama e apontei para uma porta no canto. — Ali é o banheiro, se você quiser tomar banho ou usar.

Eu realmente não tinha do que reclamar daquela casa, daquele quarto ou de qualquer aspecto da minha vida e isso sempre me foi como um fardo. Era o meu privilégio e eu gostava de compensar isso tentando ajudar os outros. Ainda que não precisasse fazê-lo, como meu pai sempre me dissera, eu gostava, sentia um quentinho no coração e uma revigorada na alma ao ver as pessoas que eu ajudava conseguindo se reerguer, superar obstáculos e prosperar.

Ri quando Annabeth se jogou em minha cama de frente, o que fez ela quicar duas vezes antes de repousar por completo.

— Eu não sou exatamente uma princesa, mas vai ter uma condessa no evento de esgrima. — Comentei descontraída. — E você vai dormir aí hoje à noite. — Quando ela me questionou sobre roupas eu fui até uma porta mais discreta, no outro canto do quarto, e a abri, dando passagem para um closet "modesto". Não era grande e espaçoso como o dos meus pais, mas ele guardava muitas roupas de diversas cores, modelos e formatos.

Abri as portas duplas e saquei uma calça branca, um par de meias e uma roupa de baixo estampada com ursinhos para ela usar, além de uma blusa azul bebê e um casaquinho aveludado também branco. Não estava exatamente frio, mas também não estava calor. Saí do closet saltitando até ela, parando em sua frente e entregando o conjunto de roupas com um sorriso no rosto.

— Hoje vai se fantasiar de Aimee. — Soltei uma gargalhada. — Não demore muito porque eu vou ficar aqui esperando você.

Assim que ela fechou a porta do banheiro atrás de si, me deitei na cama e peguei o tal celular. Tinha as mesmas dimensões de uma caixa de barra de chocolate, mas tinha um vidro com luz atrás, luz essa que formava imagens e hora. 11:23. Franzi o cenho e lembrei que Annabeth tamborilava os dedos no vidro e tentei cutucá-lo, mas a tela não acendeu nem nada, apenas exibia a hora e um pequeno círculo embaixo. Após uma análise mais minuciosa encontrei um pequeno botão na lateral e, quando pressionado, fez a tela acender e vi uma imagem da própria Annabeth. Estava muito bonita. Havia uma mensagem "Swipe to unlock". Franzi o cenho e fiz carinho no celular, na lateral, mas nada aconteceu. Então o deslizei na cama, mas também nada aconteceu e a tela apagou. Após pressionar o botão novamente notei a mesma foto de antes. 11:25. Acidentalmente toquei na tela e ela pareceu se mover e, instintivamente, arqueei as sobrancelhas em surpresa.

— Aaaaah, acho que é assim. — Toquei o vidrinho com o indicador e deslizei para cima, fazendo com que outras duas imagens de Annabeth aparecessem.

Fiquei um tempo olhando as imagens de Anna vestida com a roupa de mascote de um leão, e aquilo me fez sorrir de leve. Mais abaixo ela dava um beijo em um gatinho, e lembrei que ainda não tinha procurado o Desgrenhado para apresentá-lo para Anna. Em seguida, me perguntei o que aconteceria se eu tocasse na foto de Anna e me assustei, pois várias bolinhas rosas saltaram na tela e voltei a pegar o aparelho. Eram símbolos distintos. Havia, entre eles, uma lâmpada, um monofone, duas colcheias espaçadas por um tempo.

Toquei na máquina fotográfica e, então, fui apresentada com meu rosto e me vi de sobrancelhas arqueadas, sorri e notei um círculo super grande na parte inferior. Quando toquei notei que a imagem que eu estava vendo foi congelada e rapidamente deslocada para o canto inferior direito. Mostrei a língua, os dentes, deixei os olhos vesgos e mimetizei um macaquinho, enchendo a parte superior do lábio de ar, sempre registrando as imagens. Então notei a porta abrindo. Anna já havia saído.

— Acho que eu estava me entendendo com esse seu celular. — O entreguei para Anna. — Espero não ter gasto todo o seu filme fotográfico. — Mostrei a pontinha da língua de forma traquina. — Eu tenho que te mostrar meu gatinho, o Desgrenhado. Vi que você tem uma foto beijando um. Você deve gostar de gatinhos.

Escutei a explicação breve de Anna sobre como funcionavam as coisas no seu celular e sobre ele ter 128GB. Eu não sabia exatamente o que eram estes GBs, mas deduzia que eram Grandes Baús para o armazenamento das fotos que iam para essa outra dimensão. Como será que ela recuperava essas fotos desta dimensão? Será que havia uma abertura de onde tirar as fotos da parte de trás do celular? Ou talvez alguma entidade física, como uma empresa ou sede trouxa, recebia as fotos, como o Banco Gringotes? Significaria Gringotes Bank?! Céus, teria eu feito Annabeth gastar galeões ao tirar aquelas fotos? Franzi o cenho, um tanto preocupada, mas maneei a cabeça em positivo para a sua pergunta sobre estar melhor assim.

— Ãh... acho que sim. — Dei um sorriso amarelo, me sentindo um pouco culpada.

Ela então me deu a mão quando falou sobre querer ver meu gato e eu soltei uma risada, encarando-a com uma expressão de: "Eu devo ter acostumado você mal.". Soltei um suspiro pesado de "Você venceu" e rolei por cima da Annabeth que estava deitada ao meu lado e, quando saí da cama, do outro lado, peguei sua mão e a puxei para que ela me acompanhasse. Enquanto seguíamos pelo corredor até o saguão de recepção principal lancei um olhar de canto para a garota e perguntei, um tanto sem jeito.

— Anna, as fotos custaram algum custo pra você no Banco Gringotes? — Cocei a nuca com a mão esquerda, já que a destra estava de dedos cruzados com a mão de Anna. — Afinal, é isso que os GB significam? Galeões Bruxos? Ou Gringotes Bank?

A reação que Annabeth teve não foi exatamente a que eu esperava e logo a vi gargalhando, com a sua risada ecoando no porcelanato do saguão de recepção principal. Notei Florence, uma das nossas maids, nos observando com interesse e, em seguida, dando uma risada abafada. Sorri para ela e abanei pois havia sido a primeira vez que a vira hoje. Ela me cumprimentou com um aceno cordial e continuou a fazer seus afazeres pela casa. Annabeth me explicou que as fotos eram grátis e eu soltei o ar pesadamente, fazendo até alguns fios de seu cabelo se moverem com o vento repentino.

Ela então colocou uma das minhas mechas de cabelo atrás da minha orelha e eu soltei uma risada, pensando que aquele tipo de ato eu só havia visto em filmes de romance, mas deixei aquilo pra lá. Seguimos procurando pelo Desgrenhado pela propriedade. O sol esquentava gostoso enquanto o vento gelada fazia as bochechas arderem um pouco: em suma o dia estava bastante agradável. Seguimos pela direita e então pela lateral da propriedade, onde o Sr. Walton e o Sr. Payne aparavam alguns arbustos. Paramos e soltei uma risada quando Anna mencionou o tamanho da propriedade.

— É, tem algumas formas de chamar o Desgrenhado. — Saquei minha varinha do bolso de minha calça e caminhei um pouco para longe da casa e soltei o feitiço "Accio". — Accio pote de ração pra gato.

Lá de longe vi o pote vindo em minha direção, saído de dentro de um dos galpões externos onde eram guardadas as ferramentas de jardinagem, adubo para os canteiros e produtos animais. A distância era grande, então tive tempo de guardar a varinha e estender os braços para agarrar o pote. Assim que estava com ele em mãos, lancei um olharzinho para Anna e arqueei as sobrancelhas rapidamente, logo voltando minha atenção para os jardineiros próximos a nós.

— Bom dia, Sr. Walton e Sr. Payne. — Os cumprimentei e ambos ficaram eretos, em posição de repouso.

— Bom dia, senhorita Grace. — Sr. Walton me respondeu enquanto o Sr. Payne ergueu o chapéu como o cavalheiro que era.

— Sr. Walton, por favor, pode me chamar de Aimee. — Ele riu e me retrucou em seguida.

— E você pode me chamar de Sam, então. — Eu soltei uma risadinha e ele continuou. — Em que posso ajudá-las hoje?

— Ah sim! essa é a Anna, minha amiga. — Indiquei Annabeth com a cabeça e voltei a olhar para os homens. — Vocês, por um acaso, viram o Desgrenhado por aqui?

Sam olhou para o Sr. Payne e eu logo pude ver que ele não sabia onde estava meu bichano, mas o Sr. Payne sorriu e apontou para os fundos.

— Eu lembro de tê-lo visto lá, aproveitando o sol e deitado num dos bancos de pedra.

— Obrigada, rapazes! Vocês são uns cavalheiros! — Ele soltaram algumas risadas e voltaram ao trabalho, enquanto eu me voltava para Anna. — Vamos! Temos um bichano pra capturar.

Conforme andávamos eu ia balançando o pote de comida e gritando pelo nome "Desgrenhado", dando sempre ênfase no "o" final da palavra, até que, quando estávamos bem próximos da esquina da casa para a área dos fundos, meu gato apareceu como se tivesse vindo correndo e, ao nos ver, frenou bruscamente jogando alguns cascalhos brancos para longe. Se aproximou de nós e veio se roçar em minhas pernas, já que eu estava com o pote de ração. Soltava miadinhos roucos de felicidade ao me ver.

— Não, não! — Me pus de cócoras e fiz carinho em seu queixo. Desgrenhado então fechou os olhos de bolita e deu início a um ronronar baixo. — Primeiro diga oi para a Anna!

Segurei o gatinho e o levantei, de barriga para cima, acima de nossas cabeças, como se o oferecesse para os céus o levarem embora e, em seguida, o tomei em meus braços como uma criança de colo. Ele olhava para mim e, em seguida, para Anna com curiosidade.

— Anna, esse é o Desgrenhado. — Deixei ela fazer carinho nele e disse, em seguida. — Pega uma ração ali e dá pra ele. Pode pegá-lo se quiser, depois.

Observei Annabeth interagir com o Desgrenhado por alguns segundos, em silêncio, apenas aproveitando aquele momento adorável, mas soltei uma risada quando a garota perguntou sobre o segredo para os pelos brilhantes do gatinho e eu me aproximei, fazendo carinho atrás de suas orelhas que, por sua vez, fechou os olhos como gatos fazem.

— O segredo dele é baba de gato. — Ao fim fiz um boop em seu narizinho. — Uh, o nome do seu gato é Bastet? Que bonito.

Ela, então, me entregou o bichano e me pediu para fazer uma pose e, de maneira divertida, coloquei o gato em minha nuca e o usei como se fosse um lindo cachecol de pelos de angorá, além de fazer uma expressão de esnobe realeza. Quando a foto terminou desmanchei a expressão com um sorriso e coloquei Desgrenhado no chão. Annabeth me fez uma pergunta, então, que acabou por me confundir e eu ri de sua própria confusão. Sim, ainda haviam muitos lugares para ver na mansão e eu mostraria a ela aos poucos.

— Então vamos, vou te mostrar a piscina e, depois, vamos à sala de música. — Comecei a caminhar em direção ao fundo e virei subitamente, pensativa. — Se meu pai não quiser treinar alguns golpes de esgrima comigo, claro. — Franzi o cenho e olhei para Anna, em seguida. — Mas teremos tempo! — Girei nos calcanhares e segui caminhando.

Rumamos pelo gramado até chegar na piscina natural que tínhamos ali, com uma espécie de fonte e pedras organizadas pelo nosso paisagista. A água tremulava um pouco com o vento e eu sabia que estava bem gelada, afinal, águas naturais costumavam ser mais geladas do que água das piscinas artificiais.


— Este lado é mais raso do que o lado de lá, então é o único que eu dou pé... e você também, provavelmente. — Soltei uma risadinha. — Temos ainda a piscina térmica com a sauna, a sala de música e a oficina do meu pai, que é onde eu treino esgrima com ele. O que quer ver em seguida?

Eu precisava admitir que estava me divertindo muito com as expressões de Annabeth ao ver cada canto da mansão de meus pais e ali também não havia sido diferente, principalmente com a sua constatação sábia de que ela não deveria ir até o outro lado. Isso me fez questionar mentalmente se ela sabia nadar ou não e, enquanto fazia isto, ela me lançou um olhar curioso, como se me encarasse como um objeto de um plano maior, ponderadora. Franzi o cenho em resposta, mas logo ela quebrou o silêncio momentâneo e decidiu pela sala de música.

— Então lá será!

Como de praxe enganchei em seu braço e passei a nos conduzir pela lateral da casa até a porta da frente, o que deve ter levado uns 10 minutos de caminhada, mais ou menos. Adentramos o saguão de recepção principal e subimos as escadas até a ala oeste, desta vez. Mais longos corredores até que finalmente chegamos a uma porta dupla branca com entalhes barrocos dourados e maçanetas cheias de floreios. Assim que as abri fui recebida pelo forte cheiro de madeira e óleo de Peroba usado para preservar as cordas dos instrumentos e o chão, também de madeira. Minha mãe estava lá, sentada na banqueta em frente ao piano. Ela estava arrumando alguma partitura, ou talvez compondo.


— Oi, mãe! — A cumprimentei alegremente e soltei o braço de Anna, indo aos saltos para perto dela. — O que está fazendo?

— Ah, nada demais... Só estou simplificando uma partitura para alunos iniciantes. — Ela me respondeu e, logo em seguida, dirigiu-se a Anna. — Tudo certo, Annabeth? Aimee está mostrando a casa direitinho?

— Manhê! — Reclamei com um sorriso no rosto. Eu sabia que aquela pergunta era apenas para me incomodar. — Mas é claro que sim! Foi você quem me ensinou como se faz, lembra? — Fui até a parte da sala em que estavam os instrumentos de corda e peguei a mochila do meu próprio violino e o tirei, me aproximando das duas novamente. — Vou mostrar pra Anna um pouco de música. — Disse enquanto colocava o violino em meu ombro e o segurava ali com o queixo. — Posso usar o seu "presset" de Pressured? — Minha mãe fez uma expressão de impressionada e deboche.

— Hmmm, alguém está querendo impressionar a visita. — Ela piscou para Anna e se levantou. — Tudo bem. Vamos ver o quanto você melhorou. — Comentou enquanto se afastava para um conjunto de cadeiras encostadas à parede oposta.

Assim que elas se afastaram peguei de dentro de uma caixinha, em cima do piano, uma ponteira diminuta com uma espécie de saliência pra frente, como uma aba de boné. Saquei minha varinha e coloquei a ponteira nela. Cordas prateadas se projetaram deste artefato adaptando minha varinha mágica em um arco de violino. Com este arco mágico balancei em direção aos instrumentos de corda mais grave, como baixos e violoncelos e eles começaram um som baixo e contínuo e, então, comecei a performance.


No começo da música precisei ficar intercalando meio tons em diferentes partes do braço do violino e a intensidade ia de baixa, chegava ao seu ápice e minguava até sumir. Tudo precisava ser perfeito, milimetricamente ressonante com a escala dos acordes que me eram dados pelos baixos e contrabaixos. Os agudos vieram e as pausas cessaram até que não havia mais descanso entre uma escala e outra. E com a pausa rápida...


Olhei para Anna em um segundo e voltei solando aquela frase que pintava minha mente com tons laranjas e dourados. Me indicava urgência e perigo, pois era essa a mensagem que a música queria passar. Os meus movimentos de braço eram rápidos e até um pouco agressivos. Com um movimento da varinha ao fim do período fiz com que o violino seguisse com aquele looping e me dirigi ao piano, sempre mantendo o instrumento preso entre meu queixo e ombro. Deixei um suspiro enquanto aguardava o momento certo para começar e ele se aproximava. Quando os bumbos estouraram em mais um silêncio passei a fazer rápidos acordes com os dedos, apenas para a marcação e garantir a chegada da próxima parte da música que era ainda mais potente do que a de agora. Com o mesmo movimento de varinha/arco o Piano também seguiu tocando e, aproveitando o som de eco da frase contínua me preparei para a batida das precursões e, então, silêncio!

Aquele solo era de renovação e esperança. Em minha mente cores como rosa, branco e verde água inundavam com potência e velocidade, como uma corrida de cores que se enlaçavam e trançavam em uma dança íntima. Eu também dançava um pouco, me inclinava levemente para os lados e caminhava para outros pontos da sala sentindo a música e, por alguns segundos, esqueci que haviam pessoas me observando. Me mantive de olhos fechados sentindo a música e podia ver aquelas imagens em minha mente como um filme abstrato e, ao mesmo tempo, belo. Agradecia à sinestesia por isso. A potência foi aumentando até o seu ápice e, então, mais um bum seguido de mais um silêncio.

Era a parte final.

O combate! Azul e vermelho se chocavam, mas era um combate potente e, por assim ser, seria rápido. Meus próprios movimentos corporais faziam meus cabelos se chocarem contra meu rosto e eu sentia meu coração bater acelerado contra o peito por conta da exaustão, a respiração começando a ficar pesada por causa da movimentação do arco frenética para acompanhar a velocidade dos dedos que precisavam e...!

Bum!

Relaxei os braços e soltei o ar pela boca, fazendo fiapos de cabelo que cobriam meu rosto voarem.

— E então...? — Perguntei ofegante, esperançosa, trocando olhares com minha mãe e Annabeth.

Me aproximei das duas ali sentadas nas cadeiras como expectadoras e bati palminhas animadas, logo após ter colocado o violino em cima da tampa do piano de cauda. Annabeth parecia um tanto impressionada, pois não havia se mexido muito desde que eu comecei a performance e, então, minha mãe quebrou o silêncio com palmas e um sorriso no rosto. Eu podia ver o orgulho em seus olhos.

— Isso foi magnífico, Aimee! — Minha mãe me parabenizou e, quando Anna disse ter se impressionado, eu sorri um pouco mais largo.

— Obrigada. — Disse, apenas, e então Annabeth começou a rir e ambas olhamos para ela.

Ela se desculpou por, aparentemente, ter lembrado de outra coisa, o que eu achei um pouco estranho, mas logo em seguida ela mencionou sobre uma tele entrega dos seus remédios e toda a conversa com a sua mãe, e com ela mesma na alfaiataria, me fizeram ligar os pontos e entender um pouco a situação do que estava rolando ali. Dei uma olhadinha rápida para minha mãe.

— O Sr. Docherty vai ir no vilarejo pegar algumas coisas pra cozinha logo mais, não é? — Ela maneou a cabeça em positivo.

— De fato, filha, mas Anna precisa seguir o horário do seu remédio, então eu não sei se não seria mais vantajoso pedir para virem até nós.

— Ah, verdade! Você pode usar o seu fone de células. — Me sentei na cadeira ao seu lado e aguardei. — Ainda temos lugares a ir. Mãe, sabe se o papai vai querer treinar comigo hoje? — Ela então franziu o cenho, pensativa.

— Ele está um pouco ocupado hoje, então acho que amanhã ele deve querer passar um treino pra você.

— Certo, certo... — Me dei por satisfeita com aquela resposta e prestei atenção em Annabeth pedindo o seu remédio e, quando ela terminou: — Quer tomar banho de piscina? — Perguntei com a bochecha escorada na mão e o cotovelo apoiado na perna.

Tanto eu quanto minha mãe soltamos uma risada com o entusiasmo de Annabeth por causa da possibilidade de tomar banho em nossa piscina, ainda mais quando ela tampou a boca por achar que havia falado alto demais, ou demonstrado "pouca classe" ao aceitar meu convite daquela forma. Quanto à questão das roupas, claro que não seria problemas eu emprestar para ela, afinal, tínhamos a altura semelhante.

— Não tem problema que você não tem roupas, Annye. — Respondi com um sorriso. — Eu tenho roupas e eu deixo você se fantasiar de Aimee por hoje.

Mas parece que ela ainda se sentia envergonhada por estar usando minhas roupas, porém, dei de ombros com aquele fato e a próxima pergunta foi para minha mãe, que me deu uma olhadinha de canto com um sorriso, achando ela uma graça. Eu conhecia aquele tipo de expressão.

— Se você quiser, nós podemos sim, mas também pode usar as roupas da Aimee! — Ela, então, fez uma pausa e deu um suspiro. — Ela não tem um estilo muito legal de roupas, mas acho que podem servir em você!

— Mãããããe! — Reclamei, mas logo em seguida soltei uma risada, assim como as duas. — As roupas que são bregas foi você quem me deu! — Fiz uma expressão exagerada de irritada, peguei Anna pela mão e comecei a sair. — Vamos embora, Anna!

Fomos para meu quarto e deixei que Annye escolhesse um dos modelitos disponíveis e, quando ela escolheu, prontamente saiu para o banheiro para se trocar e eu, por minha vez, comecei a me trocar ali mesmo para que, quando ela saísse, eu já estivesse pronta, e assim aconteceu. Quando a porta do banheiro abriu eu já estava apenas arrumando a parte de cima do biquíni azul marinho, vestindo um roupão de lã branco, e me olhando na frente do espelho. Pelo reflexo notei que ela tinha um corpo bonito, magro e aparentemente bastante firme, o que me fez me questionar se ela praticava algum tipo de esporte ou se era esse o seu biótipo, mas quaisquer outros pensamentos foram abafados quando vi Anna dar alguns tapinhas na sua própria cabeça. Rapidamente, fui até ela, segurando a sua mão para impedir dela se bater mais. Não sabia exatamente quais os distúrbios que ela tinha, mas não deixaria que ela se machucasse por causa deles.

— Sim, vamos até a piscina! — Entreguei a ela um roupão de lã, enganchei em seu braço e segui pela mansão até a piscina térmica com Anna.


Quando ali chegamos logo fomos recebidas pela temperatura mais quente do local, pois a água era aquecida pelas resistências do motor da piscina. Da porta de entrada podíamos ver a piscina inteira com a água paradinha a ponto de formar um reflexo digno de um espelho em sua superfície. À nossa esquerda havia a sauna, cuja porta estava fechada, mas fui até a entrada com ela e mostrei o seu interior.


— Bom, pode pular na água sem medo, pois ela é aquecida e muuuuito bom ficar ali dentro. — revirei os olhos ao terminar a frase e olhei para Anna. — Começamos pela piscina ou pela sauna?

Assim que fiz a pergunta removi o roupão e espreguicei o corpo, sentindo as costelas esticarem a pele da barriga. Ali podia estar realmente mais aquecido do que o lado de fora, mas ainda assim não pude evitar de sentir um arrepio pelo corpo todo ao ficar apenas com a roupa de banho.

Anna havia escolhido a sauna primeiro e, bem, a sua lógica até que fazia sentido, mas ela descobriria depois que saíssemos da sauna que a piscina parece ficar gelada por causa do corpo super quente. Sorri, dando de ombros, e abri a porta da sauna, deixando que ela passasse e entrei logo depois. Assim que ela se sentou eu deitei ao seu lado, deixando o corpo bastante esticado e usei as mãos como travesseiros, atrás da cabeça.

— Não se preocupe com isso. — Respondi, lançando um olhar para cima, isto é, para ela. — Eu não sei o que se passa aí na sua cabeça, mas eu já me decidi que vou tentar sempre estar do lado.

Não consegui evitar um sorriso bobo quando ela disse que eu estava sendo uma ótima amiga. Eu já tive contato com outras pessoas ao longo da minha curta vida, mas eram alunos da minha mãe, geralmente mais velhos do que eu, ou eram membros do clube de esgrima e, bem, numa modalidade competitiva não é exatamente o melhor lugar para fazer amigos, então não era como se eu tivesse a maior quantidade de amigos do mundo. Talvez fosse por esse motivo que meus pais estavam me matriculando em Hogwarts.

— Eu estou gostando de passar o dia com você, também. — Suspirei e fechei os olhos. — Pode ser que você sinta um pouco de falta de ar, por causa do ar quente. — Puxei o ar pesadamente mais uma vez e soltei pela boca. — Deitar ajuda...

Ainda me mantinha de olhos fechados, concentrada em minha própria respiração e já sentindo pequenas gotas de suor escorrerem pela minha testa e barriga, ou talvez fosse só a condensação do ambiente em que estávamos, a umidade colando na pele. Negativei com a cabeça quando Anna questionou sobre a sauna não ser perigosa, por causa da falta de ar.

— Não, é que parece que falta o ar por causa do ar quente. — Quando abri os olhos reparei uma Anna bastante próxima, de cabeça para baixo em relação ao meu rosto. — Bem, uma sauna ajuda a queimar gordura, faz bem pro sistema respiratório e coração, além de hidratar a pele e os cabelos. — Sorri para ela. — Meu pai diz que a sauna ajuda a aumentar nossa resistência cardiovascular, sabe, aumenta nossa resistência.

Parei um tempo observando o teto e, então, olhei o rosto de Anna, acima do meu. Ela ainda parecia me estudar de forma minuciosa, ou talvez estivesse pensando em coisas aleatórias de sua própria cabeça, mas seus olhos se mantinham fixados em mim. No fim acabei me sentindo até um pouco envergonhada, o resolvi falar para quebrar o silêncio.

— Então... qual é a dos pensamentos que você tenta afastar? — Me dei conta, em seguida, sobre a indelicadeza e fiquei numa posição parecida com a de Anna, ficando de frente para ela. — Digo, você não precisa me contar se não quiser. Eu só queria entender melhor para poder te ajudar.

Maneei a cabeça em positivo em cada ponto levantado por Annabeth e me pus em seu lugar por diversas vezes. A sua condição psicológica me parecia bastante difícil, mas eu precisava admitir que já tinha uma teoria para aquilo e talvez fosse um pouco fantasiosa, mas também podia ter um fundo de verdade. Meu pai já havia me explicado, muitas vezes, que existem coisas neste universo que ainda não entendemos, coisas que ainda não descobrimos, então tudo era possível. Tudo era uma possibilidade.

Assim que ela sentou deixei minha cabeça repousar em sua perna e a olhei por longos segundos. Mesmo ali, naquela baixa luz, era possível notar suas feições de tristeza por estar contando algo extremamente profundo e pessoal. Algum dia eu chamaria sua atenção sobre algo que meu pai também havia me contado: "Nunca se deixe sangrar em um tanque de tubarões".

— É um negócio bem complicado de conviver. — Disse, de começo, e em seguida sorri. — Mas quem pode dizer com segurança que isso que você ouve na sua cabeça não é o contato de uma entidade superior à nossa existência? — Desviei o olhar e prensei os lábios, pensativa, e os umedeci em seguida. — Digo, existem coisas que não conseguimos ver, como algumas faixas de cores de espectro invisível, e outras que não conseguimos ouvir, como frequências de som extremamente agudas, ou baixas. Mas abelhas podem ver espectros que nunca vamos conseguir enxergar, e cachorros e morcegos escutam ruídos de frequências que são inaudíveis para nós. — Parei um tempo, organizando os pensamentos para tentar fazer sentido. — Existem bruxas que têm visões do futuro e conseguem ler os pensamentos de alguém. Eu não diria com certeza que isso que você tem é alguma condição psicológica.

Me sentei finalmente e girei para ficar de frente, tocando seu queixo para que ela me olhasse. Sorri para ela e apertei sua bochecha, tentando fazê-la sorrir com aquele simples ato de carinho. Anna parecia ter o coração fragilizado por anos de pessoas apontando dedos para ela e a julgando como estranha por não entenderem como ela se sentia. Bom, eu não a entendia também, mas conseguia me colocar em seu lugar e sentir o que ela sentia.

— Você toma estes remédios para suprimir essa voz na sua cabeça, mas talvez um dia você a entenda, sei lá. — Dei de ombros e estendi minha mão com o minguinho erguido. — Até lá eu vou estar aqui pra você, pra te ajudar a segurar esse fardo da melhor forma que eu puder. Deal? — Em seguida, me pus de pé e me estiquei, sentindo as costas estralarem. — Vamos pra piscina?